segunda-feira, 22 de junho de 2009

quer pagar quanto

Quer pagar quanto?
Apesar da poluição e da escassez, uma boa notícia: governos começam a remunerar quem preserva a água que bebemos
Maio 27, 2009 12:16 AM
Texto: Bruno Weis Fotos: Zé GabrielDa Revista Sustenta
Rosenilde Diogo Oliveira tem 45 anos e é empregada doméstica. Casada e mãe de cinco filhos, mora no Jardim Ângela, distrito da extrema zona sul de São Paulo. Sua casa fica a menos de 20 minutos de caminhada da represa de Guarapiranga, que abastece 3,4 milhões de pessoas da metrópole. Em setembro de 2008, Rosenilde e mais 200 mil moradores do Jardim Ângela (onde vivem 279.795 pessoas) passaram 72 horas ininterruptas sem abastecimento de água. Para piorar, os dias a seco começaram numa sexta-feira e se estenderam pelo final de semana, quando a maioria das pessoas permanece no bairro. “A coisa ficou feia mesmo no domingo pela manhã, quando até a caixa-d’água esvaziou. Para escovar os dentes, tive que ir até a vizinha com uma jarra. A sorte é que a caixa dela é maior e ainda tinha um restinho”, lembra Rosa, como é conhecida. O silêncio das torneiras e chuveiros deixou as moças que iam à missa sem banho, e pilhas de louça suja se acumularam sobre as pias. E serviu de deixa para os homens. “Meu marido falou: estamos sem água? Então vou tomar umas pingas no bar, banho na represa e dormir”, conta Rose. “Não deixei. Ele ficaria ainda mais sujo com a água da Guarapiranga.” O esgoto gerado pelas casas da região é drenado diretamente para a represa. A estação elevatória que serve para exportar o esgoto para uma estação de tratamento começou a funcionar no começo deste ano, mas a maior parte das casas não está ligada ao sistema.

Moradores do Jardim Ângela driblam a seca buscando água no poço da comunidade

A água voltou a jorrar das torneiras do Jardim Ângela na segunda-feira, mas a ameaça de escassez nas grandes cidades do Brasil e do mundo é um problema que não será solucionado do dia para a noite. O crescimento das grandes cidades, a falta de infra-estrutura em saneamento (na Grande São Paulo, por exemplo, apenas 7 dos 19 milhões de habitantes têm tratamento de esgoto), a poluição de rios e represas e a escassez natural de regiões densamente povoadas fazem da água um recurso cada vez mais precioso para a sustentabilidade do planeta. Em vários países e mesmo no Brasil, felizmente, já há quem pague pela preservação de rios, nascentes e mananciais. É o caso da prefeitura de Extrema, no sul de Minas Gerais. Desde o ano passado, a cidade paga, com recursos do próprio orçamento, 40 proprietários rurais cujas terras abrigam minas e olhos-d’água. Na prática, pequenos produtores de gado de leite estão se transformando em “conservadores de água”. Para isso, se comprometeram com o poder local a cumprir gradualmente uma série de metas, começando pelo cercamento das matas e nascentes, para protegê-las do gado, e pela plantação de mudas de árvores nativas, aumentando a permeabilidade do solo e recuperando a vegetação para ficar em dia com a legislação ambiental. “A segunda etapa do projeto vai incluir a implementação de sistemas alternativos de saneamento básico, como fossas sépticas, e de coleta de lixo”, explica Paulo Henrique Pereira, secretário municipal de Meio Ambiente . “Até agora a prefeitura tem construído as cercas e fornecido as mudas. Os proprietários só têm que abrir a porteira.” O pagamento está previsto em lei municipal aprovada em 2005 e gira em torno de 157 reais por hectares por ano. Elias Alves Cardoso e sua esposa, Maria de Lourdes, vivem em um sítio no qual criam vacas e produzem leite. A terra deles concentra pelo menos dez nascentes. “Quando eu era criança tinha muito mais água, mas com a tirada da mata diminuiu muito”, afirma Elias. “Eu já estava querendo fazer alguma coisa, e achei bom demais ter o apoio da prefeitura.” Cinco mil mudas foram plantadas na propriedade. As ações justificaram um pagamento de 230 reais por mês, o que representa quase 25% de acréscimo na renda do casal.

Vista de Extrema (MG), onde a prefeitura incentiva a conservação das águas
Floresta em pé e dinheiro no bolso
O projeto de Extrema é um bom exemplo no país da aplicação de um mecanismo chamado “valorização dos serviços ambientais”. Serviços ambientais são as funções que a natureza exerce quando está preservada, tal como a regulação do clima e do regime de chuvas, a captura de carbono da atmosfera pelas árvores (reduzindo o efeito estufa) e, claro, a produção de água . A valorização desses serviços é a forma de incentivar as pessoas, empresas, órgãos públicos e mesmo estados a garantir as condições necessárias para que essas funções possam ser exercidas. “Os serviços ambientais nunca fizeram parte do mercado pois sempre foram considerados bens públicos”, diz o economista Marcelo Hercowitz, especializado no tema. “Mas isso tem mudado no mundo todo, inclusive no Brasil.”Sob encomenda do Instituto Socioambiental (ISA), Hercowitz mapeou casos de valorização dos serviços ambientais aqui e no exterior, como a política de preservação de mananciais de Nova York e a da Costa Rica, que criou isenções fiscais e fundos públicos para incentivar a recuperação de suas florestas. No Brasil, o pagamento em dinheiro, como em Extrema, também vem sendo feito pela Fundação O Boticário, que remunera, desde 2006, donos de terras na bacia da Guarapiranga que preservam suas matas. A idéia é garantir a produção e a qualidade da água e o controle da erosão da bacia hidrográfica. Atualmente 11 propriedades, que somam aproximadamente 348 hectares, estão recebendo até 370 reais por hectare por ano.Outras formas em andamento no Brasil são o ICMS Ecológico, criado primeiramente no Paraná em 1991 e hoje aplicado em outros nove estados. Consiste em privilegiar, com uma fração do repasse do ICMS que os estados devolvem aos seus municípios, aquelas cidades que criarem novas áreas protegidas. O Programa Bolsa Floresta, do governo do Amazonas, é outro exemplo. Desde o ano passado, o governo remunera com 50 reais mensais os moradores das reservas extrativistas, parques e florestas estaduais que não expandem suas roças sobre matas primárias, mantêm suas crianças na escola e participam da gestão do território. Até agora, 8,9 mil pessoas vêm sendo beneficiadas.O caso mais bem-sucedido no país tocado pelo governo federal envolve três municípios paraenses no eixo da Transamazônica. Iniciado em 2004, o projeto capacitou tecnicamente e remunerou 315 famílias de pequenos agricultores que deixaram de desmatar, usar o fogo e aplicar agrotóxicos. Ao abandonar essas práticas na lavoura e recuperar a floresta, cada família recebeu 100 reais por mês durante um semestre. “O melhor é que, mesmo após o fim do pagamento, as famílias continuaram implantando as práticas”, diz Marcos Rocha, técnico do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam). “Agora estão colhendo e exportando muito cacau orgânico.” Quem vai pagar a conta?

Atualmente o Ministério do Meio Ambiente tenta emplacar a valorização dos serviços ambientais como política pública por meio da aprovação de Projeto de Lei 792, de 2007. O projeto, enviado para a Casa Civil em agosto, prevê como fontes para a remuneração recursos do orçamento da União, parte dos royalties federais pela exploração do petróleo e doações internacionais. Contempla ainda o projeto da Agência Nacional de Águas (ANA) de remunerar quem produz água. Parte dos recursos para a preservação de bacias hidrográficas federais viria da cobrança pelo uso da água, implantada nos rios Paraíba do Sul (RJ/SP), e Piracicaba (MG/SP), e que, em 2009, ocorrerá também no rio São Francisco. No ano passado, os usuários e poluidores daqueles dois rios pagaram 27 milhões ao governo federal. “A valorização dos serviços e a cobrança pelo uso da água são os dois lados de uma mesma moeda”, explica Devanir dos Santos, diretor da ANA. “Se, ao usar a água para gerar riqueza, devemos devolver parte desse lucro para a comunidade, ao preservar uma nascente devemos também ser recompensados por isso.” Para o ecólogo José Galizia Tundisi, da Universidade de São Paulo, a conservação ambiental no Brasil vai prosperar quando virar um negócio rentável. E a valorização dos serviços ambientais seria o primeiro passo. “Precisamos passar de uma economia de consumo para uma economia de conservação”, afirma. “Na França, por exemplo, a Perrier remunera há anos os fazendeiros que fornecem água para a sua produção. Quando o Brasil consolidar esse sistema, vai levar vantagem no cenário internacional.”


Para Marcelo Hercowitz, no entanto, é preciso colocar água fria na fervura. “Além de esses casos serem muito incipientes no Brasil, a valorização de serviços ambientais dificilmente vai poder substituir atividades rentáveis e de grande escala, como a soja na Amazônia ou a especulação imobiliária que gera a expansão urbana”, aponta. “O potencial principal da valorização desses serviços é estimular, a longo prazo, o cumprimento da legislação ambiental e a adoção de práticas de menor impacto ambiental .” Em tempo: de acordo com a Companhia de Saneamento Básico de São Paulo (Sabesp), a falta de água no Jardim Ângela ocorreu durante a manutenção do sistema Guarapiranga, quando uma válvula apresentou problemas de funcionamento.

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